terça-feira, 24 de julho de 2012

Uma piscina para Gabriela Bezanzoni - Jozias Benedicto

A produção de imagens, esta atividade intensa de ficção que nos habita e cuja extensão e importância desconhecemos, deriva bastante da magia. (Anne Cauquelin, "A invenção da paisagem")




Meu trabalho em pintura se desenvolve em séries, se agrupa em trípticos, polípticos, séries que não se encerram e que são sempre retomadas. Serialidade, repetição, multiplicidade, camadas, obsessão.
Em 2011 e 2012 a minha pesquisa em arte se voltou para a paisagem, um dos grandes temas da história da pintura, uma invenção humana, uma forma de apreender e de prender a Natureza. Pintei paisagens, praias com o esqueleto de uma construção, de um trampolim. Ruínas de usinas nucleares, de um mirante abandonado no alto de uma serra, pedaços da arquitetura modernista, cenários de um mundo destruído ou em destruição, onde o tempo está congelado.

Aos poucos, um elemento arquitetônico foi se fixando, tomando o lugar de protagonista dos trampolins, mirantes e usinas: as piscinas. Em formato de ameba, as kidney-shaped-pools, e logo apareceram piscinas e piscinas, piscinas flutuando no espaço, piscinas dentro de piscinas, como se a piscina da Gabriela Bezanzoni no centro do palacete em estilo eclético do Parque Lage pudesse abrigar uma piscina-ameba do modernismo; ou vice-versa. Os rejuntes dos azulejos tomam vida própria: metálicos, são lâminas que cortam o espaço ao dominá-lo; são grades que tentam contê-lo, ordená-lo; são a perspectiva que serviu para a pintura renascentista criar a paisagem.


Trabalho em camadas, sobrepondo formas, manchas, técnicas, matérias, universos. Sobreponho citações de imagens da história da arte, imagens do kitsch, e faço citações/paródias de procedimentos de pintura, de “estilos”: os gestuais da action-painting, as cores fortes do fauve, as pinceladas do expressionismo abstrato. A coexistência entre estas camadas não é pacífica, o que me interessa é o embate entre mundos pictóricos: o abstrato-orgânico versus o geométrico-metálico.

 


Utilizo uma paleta com tons fortes, cores falsas, berrantes, neóns, tintas metálicas, superfícies cheias, texturas, matéria, pigmentos, excesso de acontecimentos. O acaso, o aleatório, o erro, a mancha, o escorrido, o sem-controle. O feio. Trabalho com incertezas, buscando os limites da percepção: manchas que são figuras humanas ou não, paisagens apenas sugeridas, imagens dúbias, espaços dúbios. Passo longe do clean: Tudo-ao-mesmo-tempo-agora. Tudo.




por Jozias Benedicto, julho 2012.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Processo Amnésia/Anamnésia - Cláudia Laux


Memória [detalhe trabalhos sobrepostos]
Nanquim s/ papel vegetal
2012

Anamnese: 1 Med. Histórico de uma doença feito pelo médico com base nas informações colhidas com o paciente ;  2 Ret. Figura pela qual o orador finge recordar-se de algo que havia esquecido. ;  3 P.ext. Recordação, reminiscência. [F.: Do gr. anámnésis, eós. Sin. ger.: anamnésia.
Lete “Esquecimento”, nome de um dos rios dos infernos. Divindade alegórica, filha da Noite (ou de Eris, a Discórdia) e irmã da Morte e do Sono. Fonte do Esquecimento (Lete) e da Memória (Mnémosyné) Ou rio dos INFERNOS, cujas  águas faziam os mortos esquecer todo o passado, ou o que tinham visto nos infernos
Trato de questões que dialogam entre si como o que o espaço em branco faz com as marcas de grafismo, especialmente nos trabalhos em papel vegetal. Elas evocam um estado mental. Penso em espaços e territórios, com fronteiras nítidas ou quase apagadas, como tudo aquilo que se retém e que se perde, ao longo do tempo.*
Memória longa [detalhe - 600cm]
Nanquim e guache s/ papel vegetal
2012
Prossigo um caminho de investigação sobre o território imaginário da memória trabalhando com economia – principalmente pela simples aplicação da tinta nanquim, ou de guache diluído, sobre o papel vegetal. Transparente, ele se deforma. Sequências e fragmentos apresentam-se em redes. Os espaços que se formam entre os grupos de alvéolos tomam maior importância; conforme o trabalho, são recobertos por linhas, laços que os ligam. Ilhas falam de apagamento, de esquecimento (cf. texto Deleuze).
A aplicação com penas japonesas permite variar a espessura e a intensidade de traço, marcando diferentemente o papel. Permite também, em alguns casos, que a tinta não seja mais usada, apenas água sendo colocada sobre o papel. As cicatrizes formam casulos, que se ligam em cachos, unindo-se às vezes.

por Cláudia Laux
Julho 2012


* Penso também em espaços que lutam um contra o outro, como o mar e a terra, um sobre a outra, a terra reunindo suas forças para romper a superfície daquele, no texto de Deleuze sobre as ilhas desertas; como a memória para romper o esquecimento que a recobre. (DELEUZE, Gilles. A Ilha Deserta e Outros Textos. São Paulo: Iluminuras, 2004.)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Processo - por Gabriela Simões


S/ título
Acrílica s. jornal
54 x 63cm

2012
Seguindo nossa proposta, divulgamos o primeiro texto sobre o processo criativo da artista Gabriela Simões, integrante da coletiva "Experiência Pintura".

"Pesquiso uma linguagem existencialista de angústia e inquietação na busca de uma saída. Utilizo como primeiro suporte papel de jornal e algodão; espirais formam túneis e abismos num movimento ora opressor, ora de sedução, sem possibilidade de retorno. Após uma primeira série de trabalhos, o resultado parece-me balbuciante, carente de drama e confusão. Aumento a dimensão do suporte, agora tela. Complexifico a composição. Túneis que se bifurcam noutros, formigueiros, galerias subterrâneas. Começo pintando linhas em movimentos cegos, caminhos possíveis que se sobrepõem, chocam, sobem e descem no espaço para além dos limites da tela branca, como se a trama em formação se prolongasse ao infinito.


S/ título
Acrílica s/ tela
50 x 50cm
2012
À medida que o trabalho avança, surge uma teia quase orgânica que se metamorfoseia e se ramifica em caminhos de pinceladas de tinta que deixo por vezes escorrer e noutros momentos se alongam até a matéria se esgotar deixando rasto. Sobreponho nova série de pinceladas livres e dinâmicas, alternando a espessura do pincel, com mais matéria. Por vezes, uso os dedos como veículo de expressão. Do cruzamento desses caminhos, construo estruturas como alvéolos que pulsam, chocam, confundem e oprimem, mas que se comunicam por rampas, portas, escadas, repetidamente, sem que começo ou fim, entrada ou saída resultem evidentes.

S/ título
Técnica mista s/ papel
65 x 103cm
2012





Diversos planos surgem na obra trabalhada em camadas onde os elementos de comunicação entre os compartimentos da estrutura ocorrem naturalmente, raramente com determinação antecipada de figuração. Pontos de luz que se destacam, são acentuados com pinceladas de cor alta, possíveis saídas no processo de busca".






por Gabriela Simões.
Rio de Janeiro, julho 2012.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Processos dos artistas

A partir de julho, até a abertura da exposição Experiência Pintura, postaremos semanalmente, textos e imagens de processos dos artistas que terão trabalhos na Coletiva, assim como fragmentos das aulas na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde o grupo se reuniu semanalmente em 2011-12, com vistas a desenvolver sua investigação. O formato dos encontros , tem como característica central a apresentação e a discussão do processo e das obras dos artistas, visando consolidar seus respectivos projetos ao longo do biênio.